sábado

Supressão - o cantar da sereia


É muito conhecido o mito grego das sereias, que viviam em uma ilha do mar Mediterrâneo e tinham canto belíssimo, usado para atrair os navegadores que passavam próximo à ilha até chocarem suas naus contra as rochas. Em seguida, elas devoravam os náufragos.
Vou discorrer, agora, sobre o fenômeno da supressão, este canto de sereia que encanta e devora os incautos por ele seduzidos, embora dê alívio às suas queixas .
Primeiro faz-se necessário definir supressão, já abordada, de maneira sumária, em artigo anterior, quando citei um caso clínico hipotético de eczema que evoluiu para diabetes. Quem leu este artigo deve se recordar que o paciente em questão teve seu eczema SUPRIMIDO pela cortisona, aparecendo, depois de algum tempo, com reumatismo, também SUPRIMIDO por cortisona ou algum imunossupressor diferente, dando lugar, finalmente, ao diabetes. O alopata não vê a menor relação evolutiva entre eczema e diabetes, para ele são doenças inteiramente distintas e, por isto, não entende o esforço que os homeopatas fazem em curar seus enfermos sem provocar-lhes a temida SUPRESSÃO, conceito ignorado pela alopatia. Um alopata deve se perguntar porque algum médico deixaria de receitar a cortisona tópica ou interna, se, com este medicamento, as respostas são bastante satisfatórias, tanto em casos dermatológicos quanto reumatológicos, entre outros. Eles não sabem que estas respostas satisfatórias significam SUPRESSÃO. Trocando em miúdos:
Suprime-se todas as vezes em que fazemos desaparecer uma doença, seja ela qual for e com qualquer remédio utilizado, tanto alopático (e fitoterapia, ou tratamento com vegetais (chás etc), é alopatia), quanto homeopático, tomando-se apenas a doença como base para a receita do remédio, ignorando-se o conjunto de sintomas mentais, gerais e locais que caracterizam o enfermo, o ser que sofre. Ao suprimir-se, transforma-se uma doença menos séria em outra mais grave ou, no mínimo, faz-se com que a mesma doença volte algum tempo depois de suprimida.
Hipocrates, o “pai” da medicina, dizia que sedar a dor é obra divina. Nada mais correto, pois a dor provoca intenso sofrimento em quem sente e em quem presencia. Todavia, existem modos muito diversos de sedar a dor ou qualquer outro incômodo em nossos pacientes. Abaixo darei o exemplo hipotético de uma paciente, atendida em consultório homeopático, para ilustrar o que é e o que não é supressão:
Maria sofre com intensas dores uterinas durante suas menstruações e sente-se muito triste no pré-menstrual.
Se parasse a história desta senhora apenas com informações tão superficiais, a possibilidade de suprimi-la seria enorme pois existem dez diferentes remédios homeopáticos capazes de aliviá-la mas apenas um dos dez promoveria a cura, os outros nove estariam lhe suprimindo. Obrigatório se faz, então, proseguir na investigação.
Maria é muito friorenta, está sempre se agasalhando, e quase não tem sede.
A história já evoluiu, não estamos mais presos apenas às queixas iniciais da paciente. Com isto, diminuímos a quantidade de remédios possíveis para ela, de dez passamos para seis remédios, sempre conscientes de que, dos seis, um cura e cinco suprimem. Continuando:
Maria é uma mulher estranha, todos lhe acham triste e distante, não sente o menor prazer de estar próximo a quem quer que seja, nem dos próprios familiares, e é incapaz de mostrar afeto.
Agora sim, com esta informação, o homeopata já é capaz de dizer que o único remédio que irá curar Maria, e não suprimi-la, é apenas um dos dez iniciais. Tomando este remédio, Maria logo se tornará menos triste, mesmo nos pré-menstruais, mais sociável, capacitada a sentir e mostrar amor, além de não ter mais as cólicas que a atormentavam. Vimos, com o exemplo acima, que é muito mais fácil suprimir alguém do que realmente curar, e isto com uma paciente atendida por homeopata, que se preocupa (ou deveria se preocupar) com as graves conseqüências da supressão.
Na época de Hahnemann, ao final do século XVIII e início do século XIX, os médicos usavam métodos de tratamento que, hoje, provocam sorrisos em seus colegas. A medicina evoluiu muito nesses últimos duzentos anos, ninguém pode negar, mas a forma básica de ver a enfermidade, no século XVIII e agora, pouco mudou. A exceção fica por conta da Homeopatia. Nossos colegas de tempos tão recuados pouco sabiam da estrutura e do funcionamento dos órgãos humanos e animais. Desconheciam bactérias e, conseqüentemente, a forma de evitar contaminações nos atos cirúrgicos violentos, feitos “a frio”, pois ainda não havia anestésicos. Um cirurgião era tão mais famoso quanto mais rapidamente amputava um braço ou uma perna, enquanto alguns homens fortes, seus auxiliares, continham o infeliz enfermo. Existem casos de amputações feitas com tanta pressa que levavam, junto, alguns dedos do próprio cirurgião. Brutal. Basta, pois, este pequeno relato para se perceber o quanto a medicina progrediu. Entretanto, repito, a forma de entender a doença pela alopatia (ou “velha escola”, como Hahnemann a chamava) continua a mesma há mais de dois séculos, embora, hoje, muito mais sofisticada, chega a níveis de definição tão ínfimos que alcança a molécula protéica alterada, qual ocorre com a eritrofalcemia, por exemplo, e ao gen que formou a molécula anormal. Para este fim, gerações de pesquisadores trabalharam duro em seus laboratórios e consultórios, sacrificando-se pelo progresso da Ciência. A eles, nossa justa gratidão e reconhecimento. Mas, apesar de descobertas tão importantes, de tantos remédios maravilhosos que trazem o esperado alívio aos nossos males, digo, pela terceira vez, que a medicina tradicional, alopática, permanece entendendo que doença e acaso andam de braços dados.
- Fulano tem uma artrite grave...
- E beltrano, que apareceu com arritmia cardíaca, logo depois de ser curado da pneumonia? Que azar...
Aí está uma das grandes diferenças que separam a homeopatia da alopatia. A doença não é um acaso – aliás, ou existe Deus, ou existe o acaso, Um torna a existência do outro impossível. O Homem enfermo segue uma longa trilha, iniciada no plano mental, antes de manifestar alguma lesão orgânica. Nenhum exame, por mais atual e sofisticado que seja, conseguirá identificar a doença antes que distúrbios orgânicos se manifestem. Por isto, crê o alopata que as queixas ditas funcionais, aquelas carentes de manifestações orgânicas observáveis, sejam apenas “estresse” ou “depressão”, sujeitas somente aos consultórios de psiquiatria ou a algum calmante ou anti-depressivo. Enquanto isto, nos consultórios homeopáticos, esmiuçamos, sempre, tanto a doença atual de quem nos procura, quanto, e principalmente, as suscetibilidades e a personalidade de nossos clientes. Só então estaremos aptos para receitar.
Espero que tenha sido entendido o conceito de SUPRESSÃO, importantíssimo e difícil de assimilar já que, desde nossa infância, somos orientados a entender as doenças como faz a alopatia e, por este motivo, nós, homeopatas, nos deparamos freqüentemente com pedidos de um remédio para uma doença qualquer com a famosa frase:
- Doutor, o que é bom, da homeopatia, para esta doença assim, assim?
- Não sei, até que lhe conheça melhor.

Esta deveria ser a resposta do médico que entende a Homeopatia e não se entrega ao canto de sereia das perigosas supressões.