domingo

Como o paciente deve relatar suas queixas para o médico homeopata?


Um diálogo surrealista:
-
Minha filha, vai, por favor, até o aeroporto, pegar o tio Pedro que chega de viagem hoje, às 15 horas, para passar uns dias aqui em casa.
- Mas mãe, eu não conheço esse tio...
- Eu sei que você nunca viu o tio Pedro, nem em fotografias, mas darei uma descrição dele e isto ajudará a encontra-lo no meio de tanta gente: Ele não é gordo nem magro, nem alto, nem baixo, ele é normal. Além disto, tem dois olhos, um nariz e uma boca. E não se esquece das duas orelhas dele, mais ou menos grandes, uma de cada lado da cabeça.
É claro que tal conversa não passa de uma suposição, por ser absurda. Mas, pasmem, é quase desta forma que alguns pacientes falam com seus homeopatas à procura de um remédio que os auxilie em suas aflições. As pessoas não têm má vontade de falar, apenas desconhecem que o médico sempre necessita de informações claras para chegar a um diagnóstico preciso, e o homeopata muito mais, pois ele elabora dois diagnósticos em cada consulta: O primeiro, semelhante ao que faz um alopata, sobre o tipo de enfermidade que afeta seu paciente. O segundo, e mais difícil, sobre qual remédio, entre as centenas disponíveis na homeopatia, é o mais adequado ao doente. E esta adequação do remédio ao enfermo, na homeopatia, é muitíssimo complicada já que envolve detalhes estranhos, parecendo, às vezes, desconectados da doença em questão.
Lembro-me de uma mulher que ia, eventualmente, a um ambulatório onde trabalhei, e sua frase predileta era sempre a mesma – Doutor, eu estou com dor... Isto ela falava com toda a disposição do mundo, mas, daí para a frente, parecia se desinteressar das minhas perguntas e quase nada acrescentava.
O extremo oposto é encontrado no paciente que fala de sua doença com detalhes infinitos, mínimos, sem qualquer cansaço. É uma inflamação que o atormenta, naquele lugar assim, assim. Puxa uma lista interminável de receitas, algumas com muitos anos de idade, já amareladas, depois vem a pilha de exames etc. etc. etc. Tudo bem (ufa!), terminamos a peregrinação pelo joelho inflamado, agora vamos saber QUEM é esta pessoa com artrose de joelho. Pergunto: “Sr. Fulano, como é o seu gênio, sua maneira de ser? Como as pessoas mais próximas descrevem o Sr?” A primeira resposta surge na expressão de surpresa do rosto do Sr. Fulano. Deve pensar: “Esse cara é maluco, o que tem a ver meu joelho com o que minha mulher acha de mim?”.
A fim se ter melhor idéia de como certos detalhes são importantes para o homeopata, cito o caso de uma mocinha robusta que atendi no início de minha prática homeopática, apresentando uma erisipela de face, o que é bastante grave porque pode evoluir para enfermidades bem piores. A adolescente e sua mãe não faziam a menor idéia dos riscos envolvidos nesta infecção e meu primeiro impulso foi suprimir a doença imediatamente com um antibiótico, o que eu faria não fosse a seguinte e espontânea informação, preciosa demais, que a própria paciente deu: “Tudo o que eu tenho piora às 9 horas da noite, é sempre assim”. Existe um remédio na homeopatia cuja SEMELHANÇA com a paciente está, entre outros detalhes, nesta piora exatamente às 21 horas. Contive minha ansiedade em dar o antibiótico e continuei a interrogar a jovem e sua mãe, obtendo alguns detalhes a mais. Com informações mais consistentes sobre a moça, E QUE EM NADA SE RELACIONAVAM COM A ERISIPELA, a indicar tão veementemente a SEMELHANÇA dela com os sintomas provocados por um certo remédio no Homem São, tomei coragem e lhe dei uma dose deste medicamento, em baixa potência, a única disponível no momento, e pedi que voltasse no dia seguinte. Surpresa! Em pouco tempo, com apenas uma dose do remédio em dinamização tão baixa, a erisipela havia melhorado substancialmente, a vermelhidão dera lugar a um tom róseo na pele do rosto, e a inchação murchara muito. Em poucos dias estava curada. Jamais me esqueci desta paciente e do impulso que deu em minha confiança na homeopatia com uma simples frase: “Tudo o que eu tenho piora às 9 horas da noite, é sempre assim”. Essa frase entraria em um ouvido e sairia pelo outro do mais competente dos alopatas, porque nada diz a ele que gostaria, isto sim, é de saber se a moça era alérgica a algum antibiótico etc. Piorar às 9 ou às 10 horas do dia ou da noite não é informação aproveitável na alopatia, não ajuda em quase nada pois o interesse está voltado inteiramente para a doença e, não, em caracterizar o enfermo. Isto é crítica ao colega alopata? De forma nenhuma, pois eu também receitaria um antibiótico à moça com erisipela se não conhecesse a Homeopatia e não tivesse certeza absoluta, inabalável, que o remédio dela era aquele ou qualquer outro assim tão bem evidenciado. Em primeiro lugar está a vida do paciente.
A eterna procura do médico é por este medicamento que cura ou alivia as dores de seus enfermos. Nós, médicos, não temos “bolas de cristal” e, para chegarmos ao remédio ideal, precisamos de informações pertinentes. Somente as pessoas que sabem se observar têm tais informações disponíveis; aquelas que são desatentas, apressadas, que se consultam com um médico como vão ao "fast-food", dificultam muito nosso trabalho. Se o tratamento, então, é com um homeopata, aí fica impossível mesmo ajudar como gostaríamos a partir de informações telegráficas e superficiais.
Fulaninho está com febre, de 37º, e já dei um remédio para a febre sumir” diz a mãe aflita ao telefone. “Mas como?- responde o homeopata - só 37º e a Sra. já deu um antitérmico?” “Claro! Eu tenho horror a febre. Vai que ele faz uma convulsão!”E a Sra. observou algum sintoma novo durante esta febrícula, ele está ou não indisposto, com frio ou calor, com sede ou sem sede, tem calafrios ou não, qualquer mudança em seu modo de ser?” “Não, ele está normal, só teve a febre...” “Olha - acrescenta o médico, desanimado – assim não é possível receitar remédio algum para ele. Vamos aguardar o efeito do antitérmico passar e, se a febre voltar, a Sra. não lhe dá este remédio logo, espera a temperatura subir um pouco e vê como o fulaninho vai ficar, se indisposto ou agitado, com frio ou com calor, com calafrios ou não, mais sede ou menos sede, enfim, tudo o que puder perceber de diferente nele e me informe rapidamente. Estou esperando”. A mãe do fulaninho despede-se, frustrada.
Que gênio milagroso da homeopatia poderia medicar a criança (ou adulto) do exemplo acima? Apenas para “febre” o homeopata dispõe de 48 remédios diferentes. Uma vez que não se pode fazer uma mistura dos 48 remédios existentes, qual deles escolher sem maiores informações além de febre?
Aí está a razão deste artigo: auxiliar os clientes dos homeopatas a auxiliar seus homeopatas, para serem auxiliados. É uma via de mão dupla.
Portanto, observem, a si e aos seus parentes, no dia-a-dia e nas doenças agudas que surjam. Percebam as características próprias de cada um, as formas como se comportam diante da vida e das enfermidades que tenham. Para o homeopata, é muito mais importante saber que alguém tem uma sede assim ou assado, que fala “pelos cotovelos”, que tem um tremendo mau-humor às 3 horas da tarde, que é doce e suave, ou bravo e agressivo, que chora à toa ou jamais chora, que adora ficar só ou só quer estar em companhia dos outros etc, do que ser informado de uma garganta muito vermelha ou uma dermatite que coça. Atenção para tudo o que for que não signifique, apenas, sintomas e sinais de uma doença qualquer, e, sim, sintomas e sinais de como o ser humano reage à vida e suas agressões corriqueiras, mesmo que pareça algo totalmente descabido. Quem assim procede será apresentado às enormes potencialidades que a Homeopatia tem. Caso contrário, não lhe faltará alopatas competentíssimos, aptos a lhe darem o conforto merecido.