domingo

Quando o Passado Explica o Presente...


Final do século XVIII. O mundo civilizado passa pelas grandes mudanças iniciadas no Renascimento...
O obscurantismo medieval dá lugar a novas conquistas, em quase todas as áreas do conhecimento humano, com natural inconformismo pelas idéias antes estabelecidas e as conseqüentes revoluções – o Homem anseia pela liberdade.
Nesse ambiente fervilhante, Cristiano Frederico Samuel Hahnemann, médico germânico nascido em Meissen no dia 11 de abril de 1755, autor, ainda jovem, de obras fundamentais à medicina e à farmácia, sentia-se, todavia, desgostoso. Poliglota que era, e profundamente ético, abandonou sua amada profissão, em 1789, dedicando-se a traduções de livros para o alemão, insatisfeito com os métodos de tratamento recomendados por seus colegas, muito mais danosos do que deixar os enfermos entregues à própria sorte. Sanguessugas, sangrias, cauterizações, purgativos e vomitórios e tônicos e emplastros, refletiam bem o total desconhecimento de anatomia e fisiologia humanas naquele tempo. A ciência médica baseava-se no empirismo e qualquer opinião de algum clínico famoso era aceita como definitiva, mesmo quando absurda.
Hahnemann empobrecera ao deixar de clinicar, a família numerosa atravessava dificuldades, mas ele não cedia à tentação de uma vida mais fácil a partir da mentira e da ignorância que terminavam em morte para os enfermos. Mesmo assim, afastado da clínica médica, mantinha-se atento a qualquer evidência que lhe indicasse um caminho para a verdadeira arte de curar, para uma terapêutica racional com princípios bem estabelecidos e confirmável por qualquer experimentador, em qualquer momento - uma Ciência, enfim. Achou-a, finalmente, em 1790, após penoso período de sua vida, ao traduzir certo trecho da Matéria Médica do médico escocês William Cullen onde era estudada a ação tóxica do quinino (Cinchona officinalis) sobre alguns operários que, ao manipularem esta substância, desenvolveram febres, em tudo semelhantes à malária, principal indicação para o tratamento com quinino. Esta constatação levou Hahnemann a questionar se o efeito antitérmico do quinino não estaria ligado ao seu poder, oposto, de produzir febre quando usado pelo indivíduo sadio. Em outras palavras: ao se verificar os sintomas tóxicos das substâncias minerais, vegetais ou animais sobre a criatura sã, ficaria automaticamente desvendada sua ação terapêutica na pessoa enferma. Nascia um novo ramo da Ciência, alicerçado na experimentação e não em opiniões pessoais, surgia a Homeopatia, a partir de seu primeiro e indestrutível pilar – O Semelhante Cura O Semelhante. Restava a Hahnemann, portanto, comprovar a veracidade desta hipótese e o único experimentador disponível naquele momento era ele mesmo. Sem vacilar, ingeriu uma dose alta, mas não letal, da Cinchona officinalis e aguardou... Logo, começou a apresentar sintomas febris idênticos à malária, principal indicação terapêutica do quinino, como vimos acima. Comprovada estava a lei universal de que o princípio curativo de qualquer substância pode ser desvendado quando se identifica seus sintomas tóxicos no indivíduo sadio.
Hahnemann, apesar da febre periódica e violenta motivada por doses tão altas de quinino, anotou tudo o que sentia, em detalhes, e na seqüência em que apareciam os sintomas, inclusive aqueles de ordem mental. Cessadas as manifestações da Cinchona, e já de posse do conjunto de sintomas e sinais que ela lhe induziu, passou a ingerir doses sub-letais de mais 26 outras substâncias, uma de cada vez, sempre transcrevendo os distúrbios orgânicos e psíquicos por elas provocados e compondo, desta forma, a primeira Matéria Médica Homeopática, publicada em 1805. A seguir, em 1810, após muita reflexão, publicou os princípios teóricos e práticos que regem a Homeopatia até hoje, no livro mestre desta nova ciência – O Organon da Arte de Curar ( inicialmente O Organon da Ciência Médica Racional ) - aperfeiçoado em mais cinco edições subsequentes. Depois, a partir de 1811, desenvolveu sua Matéria Médica Pura, com novas experimentações, tão numerosas e detalhadas que atingiram seis volumes ao longo de dez anos, além do tratado das Moléstias Crônicas, em quatro volumes.
Ao descobrir os princípios da ciência homeopática, Hahnemann voltou à clínica e passou a conseguir curas consideradas “milagrosas” na época. Tais feitos motivaram a conquista de muitos adeptos da nova arte médica, auxiliares valiosos do mestre em várias nações, inclusive no Brasil, mas, igualmente, o ódio daqueles que, arrogantes e preconceituosos, negavam-se sequer a examinar a exatidão das novas leis, combatendo-as e incitando os ignorantes contra Hahnemann, a ponto de apedrejá-lo, qual faziam os perseguidores de cristãos no século I. Coube ao nobre médico procurar um refúgio fora da Alemanha, transferindo-se para Paris, onde continuou a curar seus enfermos até falecer, aos 88 anos, no dia 2 de julho de 1843.
Os métodos empregados desde Hahnemann até hoje, na descoberta dos princípios terapêuticos de qualquer substância, seja ela natural ou produzida em laboratório, conduziram a outros três pilares da Homeopatia, tão fundamentais quanto O Semelhante Cura O Semelhante, ou seja: 1 - Experiência No Homem São 2 – Dose Mínima 3 - Remédio Único
Com a Experiência no Homem São tem-se à possibilidade prática de alcançar o princípio do Semelhante Cura O Semelhante, pois as virtudes curativas dos futuros remédios homeopáticos passam a ser accessíveis através de experimentações no próprio ser humano, único capaz de perceber os sintomas mentais e as sensações físicas secundários ao uso de cada substância pesquisada, dados impossíveis de se obter nos animais habitualmente usados nas pesquisas biológicas. Alguém, menos avisado, poderia definir como anti-ética e mesmo criminosa tal experimentação, já que exporia o Homem a riscos, qual aconteceu com o próprio Hahnemann. Mas não é assim, desde que o pai da Homeopatia, pretendendo diminuir os efeitos tóxicos primários das substâncias em estudo, começou a diluí-las progressivamente, ao mesmo tempo em que submetia estas diluições a vibrações enérgicas (sucussões), alcançando, assim, e por incrível que pareça à ciência oficial, progressivo aumento de seus poderes curativos e, até, a abolição da toxicidade natural que muitas delas possuem. Veremos melhor estes conceitos adiante, ao tratarmos da farmácia homeopática, mas, para maior entendimento, pode-se resumir a Experiência No Homem São da seguinte forma: Um pesquisador deseja saber as virtudes curativas de uma determinada substância, por exemplo, o veneno de algum animal peçonhento. Como é muito arriscado ingerir qualquer veneno, este experimentador submeterá a substância em questão às diluições e sucussões preconizadas por Hahnemann, elevando-o, em geral, à 30ª potência ou 30CH (Centesimal Hahnemanniana). Nesta grande diluição já não existe molécula alguma do veneno presente nas soluções, embora estas conservem o poder de induzir sintomas nos experimentadores (para espanto da ciência oficial), quando ingeridas repetidamente durante dias. Os sinais e sintomas provocados pelo veneno são, então, anotados e agrupados, sob o nome científico, sempre em latim, do animal (ou vegetal, ou mineral) de origem, por exemplo, Tarentula hispanica (ou veneno da aranha Tarentula da Espanha), transformando-se, assim, em mais um remédio para uso homeopático. Quando o médico encontra, em seu trabalho diário, algum paciente que tenha os sintomas mentais e/ou físicos relatados pelos experimentadores do veneno da Tarentula, basta dá-lo a este paciente, em potências (diluições + sucussões) maiores ou menores, dependendo do caso, para observar a cura do mesmo, ou o alívio de seu sofrimento se for uma doença já incurável. Por isto se diz que o semelhante cura o semelhante.
Desta forma, as diluições progressivas, quintessenciando a matéria bruta, levou a outro pilar da ciência homeopática, que é a Dose Mínima. Conceito importantíssimo, pois tornou confortável o tratamento já que minimiza, ao máximo, ou até anula, os efeitos primários, ou seja, a toxicidade inerente a muitas das substâncias testadas, ao mesmo tempo em que estimula as potencialidades terapêuticas das mesmas e até permite uma ação por vezes extremamente poderosa a compostos que nenhuma atividade demonstravam no ser humano quando em estado bruto. Assim é o caso do carvão vegetal, entre tantos outros, que, quando muito, pode ser útil em formações exageradas de gases nos intestinos, mas se transforma em Carbo vegetabilis, após repetidas diluições e sucussões, indicado em casos graves de falência circulatória e baixa oxigenação dos tecidos.
Para finalizar, abordemos o último dos quatro pilares da ciência homeopática, qual seja, o Remédio Único.
Em toda a história da Homeopatia, as experimentações no homem são foram conduzidas substância após substância, sempre uma de cada vez, como manda a lógica. Mesmo nos dias de hoje, nos laboratórios de Farmacologia, nenhum pesquisador administra às cobaias animais mais de uma substância de cada vez, já que, se assim procedesse, correria o risco de perder-se nos estudos que faz, sem saber onde está a origem dos efeitos observados. Assim, também, na pesquisa homeopática, pois, mesmo quando se quer investigar a ação de alguns compostos, é indispensável associar seus componentes ANTES de fornece-los aos voluntários para ingestão, pois os sintomas que estes compostos provocarão são inerentes à mistura dos componentes. Hahnemann fez isto algumas vezes, quando ainda experimentava em si mesmo e nos colaboradores, surgindo remédios como Causticum e outros. Infelizmente existem, desde algum tempo depois da criação dos princípios homeopáticos, certos homeopatas que voluntariamente ignoram a necessidade do remédio único e receitam dois, três ou mais remédios para um mesmo paciente, um para cada sintoma ou sinal, seja físico ou mental. Ignoro os motivos pelos quais estes colegas procedem assim já que um único remédio, bem indicado, levando em conta não apenas um sintoma ou outro, mas a totalidade do enfermo, pode perfeitamente curar, e o faz amiúde em mãos habilidosas. Além disto, quando se medica para sintomas isolados, corre-se o risco das temidas supressão e metástase mórbida, conforme veremos adiante.
Assim, estão definidos os quatro pilares que sustentam, firmemente, a prática da Homeopatia – O Semelhante Cura O Semelhante, Experiência No Homem São, Dose Mínima e Remédio Único.
Sobre esta base sólida, Hahnemann, anos mais tarde, assentou a pedra final da obra homeopática, ao descobrir o importantíssimo conceito dos Miasmas, até hoje mal compreendido por alguns homeopatas, referido em artigo mais adiante neste blog, quando defini, ainda que brevemente, a Psora, a Sicose e a Sífilis.
Fica, desta forma, demonstrado que o exercício da homeopatia está ligado à experimentação científica e Hahnemann foi o primeiro médico a elaborar uma ciência experimental, muito antes de Pasteur, Fleming e outros respeitáveis cientistas darem início à nova e promissora fase da antiga medicina que, graças a Deus, abandonou as purgas pelos antibióticos, salvando inúmeras vidas.
Nós, homeopatas, somos, antes de tudo, médicos e nosso dever é salvar vidas. Apenas optamos por uma visão diferente da saúde e da doença, não mística, como pensam alguns, mas científica, amplamente comprovada através das curas diárias que gerações de clínicos conseguiram ao longo de mais de dois séculos. Nega-las, sem cuidadoso exame, jamais lendo uma única linha de nossos livros ou fazendo-nos ainda que breve visita aos consultórios, é atitude arrogante e, sobretudo, contradiz o espírito científico de que esses que assim agem tanto se orgulham.